Por: José Mendes Pereira
Nesse dia seu
Galdino acordara meio doente. À noite anterior havia tomado uma porção de
vinhos, comemorando os cinquenta anos do seu casamento.
Dona Dionísia, sua velha e estimada esposa, permanecia ao redor da cama, para lhe dar apoio se ele precisasse. Apenas algumas vezes havia saído do seu redor, quando seu Galdino solicitava algo que lhe melhorasse a ressaca. Dizia ele que
o vinho só lhe trouxera uma infeliz ressaca; rins doídos, o corpo estava como
se tivesse levado uma surra de chicote. As pernas pareciam que tinham perdido os
movimentos. Um enjoo terrível, e uma vontade de provocar. E vez por outra passava uma tontura, deixando-o
sem condições de permanecer em pé.
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Nesse dia suas vacas
foram mungidas pelo vaqueiro do Lili Duarte, que já havia tomado conhecimento
que seu Galdino se encontrava enfermo.
Como de rotina, recebera a visita do seu Leodoro, um grande homem da sua amizade, principalmente para contar as suas aventuras. E ao vê-lo naquelas condições, seu Leodoro aconselhou-o que fosse até à cidade para consultar o médico, e aferir a sua
pressão; e não era bom ficar ali enfurnado, já que tinha médicos gratuitos para
este fim.
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Ali, deitado,
reclamava do maldito vinho que o deixara naquelas condições, e até dizia que
nunca mais colocaria uma gota daquele embriagador.
- É, compadre,
dizia seu Leodoro, nós na idade que estamos não devemos brincar com a saúde,
porque é um passo para a morte. Passou dos sessenta, tudo fica difícil para uma
recuperação.
- Eu sei, eu
sei, fazia seu Galdino, que bom que eu estivesse ainda começando a vida,
campeando gado nos tabuleiros...
- E ainda compadre Galdino, dizia-lhe seu Leodoro, vendo aquelas onças nos serrados..., hoje quase não ver as bichinhas passeando pelos campos.
- Exatamente! Estão acabando com as bichinhas..., e hoje ao clarear do dia, quando eu me acordava, lembrei-me de uma ninhada de filhotes de onças que eu
vi quando ainda era jovem. Naquele tempo eu apenas sonhava em ser dono de uma
boa fazenda. Mas como Deus não desampara ninguém, hoje eu tenho esta, e excelente fazenda.
- Eu não sei
compadre Galdino, porque tem pessoas que desfazem de Deus, usando
certas brincadeiras com ele. E tudo ele dá para nós.
- É um
verdadeiro imbecil, aquele que diz coisas contra Deus..., sim compadre - falava seu Galdino apoiando-se na cama, como se quisesse se levantar - voltando à conversa da ninhada de filhotes de onças que eu a encontrei..., eu
tinha saído cedo de casa, na intenção de vistoriar os meus pouquinhos
bichinhos, porque o inverno tinha sido escasso..., e logo teria que voltar, porque eu precisava ir até à
cidade, para apanhar um dinheiro de um fazendeiro, que havia me solicitado a
pegada de uma novilha amojada. Segui a pé, e já no final da Baixa Grande, eu
peguei outra vereda. Esta facilitava mais a minha caminhada. Lá mais adiante, deparei-me
com uma
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gruta, que eu nunca tinha visto. Fui olhando para um lado, vi uma boca
grande, formada por pedras, e percebi que dava espaço para se entrar nela. Com
um pouco de receio, findei entrando na gruta. O senhor quer saber o que tinha
lá dentro dela?
- Quero sim
senhor! – Exigiu seu Leodoro.
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- Três filhotes de onças.
- Três filhotes de onças?! Novinhos, compadre Galdino!?
- Bem novinhos! Lentamente eu fui me aproximando deles, mas todos ficaram
ali me olhando e arrepiados. Quando eu peguei um deles para alisá-lo, o
diabo da mãe vinha entrando na gruta. Eu não tinha como me salvar daquela onça.
Mas eu precisava de criar um meio para me livrar dela.
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Ou eu tentava uma maneira de me defender dela, ou ela iria me devorar ali mesmo. A minha sorte foi que ela veio e se deitou
para dar de mamar aos filhotes, e nem percebeu que eu estava ali, num lugar apertado. Ela ficou deitada de costas para mim. E ali, as horas foram se passando, e eu só me
lembrava de que ela poderia me ver e me atacar, porque eu não tinha nenhuma
chance de sair dali. Ela tomava a passagem para fora. Sabe o que eu fiz, compadre Leodoro?
- Não sei não
senhor! Estou aguardando que me diga o que o senhor fez para sair de lar.
- Eu sabendo que
onças têm medo de fogo – continuava seu Galdino - silenciosamente peguei os
meus papelinhos de cigarros, e os coloquei sobre a calda da onça que estava bem pertinho de
mim. Como ela nem se mexeu, toquei fogo nos papelinhos, que de repente foram
queimando uns aos outros, atingindo o rabo da danada. Sentindo a quentura do
fogo no rabo, ela deu um esturro tão grande, e saiu de buraco a fora numa
velocidade pra mais de cem quilômetros por hora. Eu vendo que ela havia
desaparecido dali, peguei as três oncinhas e as pressas com elas, em direção a minha casa. E adeus, mamãe onça! Nunca mais ela viu os seus filhotes.
- E o que o
senhor fez com os gatinhos da onça, compadre Galdino?
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- Havia
chegado um circo em Mossoró, e assim que eu soube, selei o meu jumento, coloquei os caçoas e os gatinhos da onça dentro, e fui tentar vendê-los ao dono do circo. Só
sei que os vendi e bem vendidos. E o
dinheiro das oncinhas, está aqui. Empreguei-o nesta propriedade.
- As horas estão se passando compadre, e eu tenho que ir embora, despedia-se seu Leodoro, cuidar dos meus afazeres..., mas cuida da sua saúde. Não vá ficar aí sem procurar um médico.
E ao sair lá fora, caminhava dizendo consigo mesmo: "-O danado do meu compadre não tem jeito não! É morrendo e mentindo. Ou bicho mentiroso!".
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