Por José Mendes Pereira
Para que seja criada uma cidade é preciso de vários ingredientes, e todos estes são úteis ao nascimento desta, como por exemplo: primeiro do que tudo, casas para os moradores, uma capelinha, uma escola, um mercado, uma delegacia para resolver os problemas que surgem entre a vizinhança, uma casa de cinema (nos dias de hoje não é mais necessário, devido a informática que tomou conta do mundo), praças, para que os moradores se encontrem ao anoitecer, um clube para ser feito um forró pé de serra nos finais de semana, e geralmente, as cidades são criadas próximo a um rio ou até mesmo praias...
Fazendo as minhas pesquisas na Internet encontrei este material, o qual achei muito interessante para levá-lo ao conhecimento dos nossos leitores.
Edifícios,
praças, monumentos, avenidas, ruas, becos, travessas e passagens, todos estes
elementos contam parte da História de uma cidade, e toda cidade, pequena ou
grande, sempre teve o seu teatro ou cinema, os quais, antes do advento dos templos
de consumo, por largas décadas, foram o ponto de encontro dos seus locais para
usufruírem de momentos de lazer.
Anos 1930 - Edifício à esquerda, Cine Teatro Almeida Castro. - Praça da Independência. - Mossoró-RN. - http://blogdetelescope.blogspot.com.br
E, em
Mossoró-RN, do seu cenário histórico, constou o seu Cine Paradiso – o Cine
Teatro Almeida Castro que como um livro encravado na esquina da Rua
Bezerra Mendes com a Avenida Augusto Severo, em frente à Praça da
Independência, zona central da cidade, registrou incontáveis momentos do
cotidiano de várias cenas dos anos 1900 das terras de Souza Machado.
A imagem mostra, à sua direita, parte do edifício na primeira metade do Século XX. Sobre dados do patrono do cine - teatro, consulte Rua Dr. Almeida Castro.
Esta casa de espetáculos foi fundada, em 1908, por Francisco Ricarte de Freitas, (18??-03/12/1946), natural da Ribeira de São João do Apody, e, desde jovem, radicado em Mossoró. Popularmente, era conhecido por Chico Ricarte, o dono do primeiro cinema em Mossoró! O pioneiro do ramo na cidade. As informações apresentadas neste tópico têm por base as crônicas de Raimundo Nonato, (1907-1993), e Lauro da Escóssia, (1905-1988), nas obras referenciadas.
Anos
1950 - O Grande Hotel, Praça da Independência, Mossoró-RN
Chico Ricarte,
assim como a maioria de sua geração, não detinha grande instrução escolar, mas
foi possuidor de excepcional visão comercial voltada para área do
entretenimento. O seu complexo comercial era composto por três seguimentos
distintos e interligados: 1) casa de hospedagem – o famoso Grande Hotel –
que era a razão social do empreendimento; 2) o cine-teatro; 3) um
bar-restaurante com mesas de jogo (sinuca). O gerenciamento destes
setores estava assim dividido: Chico Ricarte comandava o hotel, José
Carvalho administrava a parte de projeção dos filmes e manutenção dos
equipamentos, e, Epaminondas Carvalho –Seu Nonda – comandava o bar e os
bilhares, assistido pelo garçom Carlito – Carlos Firmo de Souza. O Almanak
Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, edição de 1929,
volume 3º, fonte: Biblioteca Nacional, consta a razão social de Freitas
& Epaminondas como proprietários de casa bilhar, assim como o registro
do cine - teatro, na cidade de Mossoró.
Segundo
Raimundo Nonato, que também documentou a História do Teatro em Mossoró, "Chico
Ricarte era um homem rebarbativo, impetuoso, ríspido, para quem a palavra
serenidade havia passado distante, e, com ele, jamais havia tomado assento. Era
áspero e temperamental, vivia cuspindo violência." Contudo, este perfil
rude gostava de arte, e premiou à cidade com muitos espetáculos, alguns de
companhias estrangeiras. Inúmeras vezes, com estas apresentações, acabava
obtendo prejuízos, primeiro, porque nem sempre o público se sensibilizava com o
tipo da apresentação, claro, mais por desconhecimento e não ter a ideia do como
apreciar tal espetáculo ou simplesmente porque os artistas contratados não
apareciam ou pior, partiam da cidade e não pagavam a conta do hotel. Mas, assim
mesmo, Chico Ricarte não desistia, já começava a pensar em quem trazer para a
próxima temporada.
O cine - teatro,
o principal centro de lazer familiar da cidade, estava instalado numa área semiaberta
do prédio do Grande Hotel, local que recepcionava a nata da
sociedade nos grandes eventos. Este espaço, também foi palco de histórias,
fatos pitorescos e confusões do cotidiano local. Durante as projeções,
ocorria um intervalo de 15 minutos para permitir a plateia fazer um pequeno
lanche, tomar um café, um refresco ou apenas tomar um ar fresco na área livre.
As quituteiras de bolos e suspiros (merengues) eram Dona Milu, Chica
do Canto e Maria Francisca que assim complementavam a renda com
as suas habilidades culinárias. No decorrer das décadas de 1920 e 1930, surgiu
a grande novidade, os filmes seriados, um verdadeiro caça níquel. Eram
exibidos durante a semana, e a plateia vinda até dos bairros mais distantes,
superlotava a sala de projeção. E o velho Chico Ricarte, ao lado da sala,
em pé, com as mãos nos bolsos, sorrindo com os lucros obtidos. Os seriados de
sucesso foram O Az de Ouro, O Homem da Meia-Noite, O Homem
Leão, Rin-tin-tim, Buck Jones, Tim McCoy, etc. ... e a plateia, ao
sair da sessão, ia lembrando-se da legenda final: “Voltem na próxima
semana. Dois novos episódios”. Naquela época, os filmes eram mudos, em
preto & branco, e sempre acompanhados ao som do piano ou do violino.
Segundo Câmara
Cascudo, o filme era anunciado com foguetões; cada estampido significava uma
parte da comédia ou do drama. Contudo, Raimundo Nonato da Silva, (1907-1993),
nos apresenta uma explicação mais elucidativa sobre a questão destes fogos. A causa real do foguetório era que as fitas dos seriados vinham de
Aracati-CE, cujo proprietário do cinema daquela localidade às sublocava,
ilegalmente, a Chico Ricarte, caracterizando um leve cambalacho na
indústria cinematográfica.
Para que toda esta transação permanecesse no mais absoluto sigilo, o velho Ricarte não podia fazer anúncios, colocar cartazes ou divulgar qualquer programação deste material. Tudo era mantido na mais rigorosa surdina de forma a evitar que o proprietário legal das fitas, lá em Fortaleza, viesse a tomar conhecimento de tais mutretas. O transporte deste material de Aracati-CE a Mossoró-RN era feito a cavalo! Em geral, a viagem era demorada e retardava o início da sessão deixando a assistência inquieta. Chico Ricarte, espertamente, para apaziguar e amenizar a impaciência da plateia, mandava Zé Coió ficar esperando pelo portador, no Beco do Cemitério que ficava não muito distante do cinema, com um foguetão preparado para soltar assim que o portador se aproximasse da rua. Ora, este era o sinal de que a guerra estava ganha; alívio para o Chico e sua plateia, e, desassossego para as pobres almas ...
O velho cinema
foi cenário de incontáveis fatos inusitados, um dentre tantos, foi o caso da
proibição que Chico Ricarte impôs às madames sem marido. Elas não
poderiam entrar naquele cinema... é claro e dedutível que o velho Ricarte
devia receber muitas pressões sociais em relação a quem devia ou não frequentar
o Almeida Castro. Porém, as mariposas recorreram judicialmente,
mandaram João Gondim, advogado provisionado, requerer um Habeas Corpus, e, Chico
Ricarte foi obrigado a abrir a cancela ...
Anos
1980 - Últimas imagens do velho hotel.
Outro caso sui
generis foi descrito por Lauro da Escóssia, o famoso Habeas Corpus
para as Marias. A ocorrência do fato deu-se em 1923, e a causa foi a
questão do uso dos chapéus femininos durante as sessões cinematográficas, pois,
a moda parisiense de elegantes chapéus de plumas havia cruzado o Atlântico e
chegado a Mossoró. E, em todos os lugares, de missas, festas, velórios, circos
e cinemas, a população feminina estava lá, desfilando os seus elegantes
adereços. Quem mais abusava daquele complemento era o trio de Marias, - Maria
Vicência, Maria Quero Água e Maria Fernandes, frequentadoras assíduas das
sessões do cine - teatro, às quais chegavam portando os seus grandes chapéus, e
é indiscutível claro que tal ornamento impedia a visão do espectador que
estivesse nas fileiras traseiras, gerando muitas queixas dos prejudicados.
Certo dia, Chico Ricarte, que já estava com os ouvidos quentes de tanto
protesto, barrou as três Marias à entrada do cinema, e deu-lhes o aviso prévio: “De
amanhã em diante se vocês quiserem vir ao cinema, venham sem chapéu. Está
havendo reclamação dos fregueses”. As três Marias, rodopiaram sobre
os calcanhares e não mais voltaram ao cine -teatro.
Contudo, tal fato gerou outros desdobramentos. O advogado João Ignácio de Oliveira Gondim impetrou Habeas Corpus em favor das senhoras, alegando que as mesmas foram “cerceadas em sua liberdade e do direito de frequentarem uma casa diversional simplesmente porque acompanham a moda”. O juiz da Comarca, Dr. Antonio de Oliveira denegou o pedido, mas o advogado João Gondim recorreu ao Tribunal de Justiça. A Alta Corte confirmou a sentença. Portanto, desta vez, o rábula perdeu e as pretensões das três Marias foram por água abaixo: ficaram impedidas de assistirem aos filmes usando chapéus. Mas, Chico Ricarte resolveu amenizar a situação e convocou uma reunião com às três e colocou uma condição para elas retornarem ao Almeida Castro: “Vocês podem voltar, mas sem chapéus, ou então, cortem as penas de pavão que enfeitam eles”. Como era o melhor cinema da cidade, elas preferiram assistir às boas películas sem seus chapéus a cortar as preciosas penas de pavão.
Roberto Carlos,
1965, hóspede do Grande - Hotel, em Mossoró-RN.
Em 11 de
novembro de 1925, a entidade Arcádia Lítero-Cívica de Mossoró, presidida pelo
Monsenhor Almeida Barreto promoveu um festival de poesia no Almeida Castro,
tendo como convidado especial o poeta Olegário Mariano, (1889-1958), que
apresentou à plateia, seus belos poemas, com sua arte declamatória.
Em 22/11/1933,
deu-se a inauguração do cinema falado no Almeida Castro com a projeção do filme Ama-me
esta Noite, de 1932, uma comédia musical dirigida por Rouben Mamoulina, com
Maurice Chevalier e Jeanette MacDonald. Mas, com o advento de novos
cinemas na cidade, durante a década de 1940, principalmente como o Cine Pax em
1948, o velho Almeida Castro aposentou-se, permanecendo até a década de
1970, apenas as atividades de hotelaria.
Este complexo
de cine - teatro e hotel foi um dos pontos históricos importantes da cidade,
por ele passaram pessoas de destaque e renome, fossem políticos como Getúlio
Vargas, (1882-1954), Juscelino Kubitschek, (1902-1976), intelectuais ou
artistas passando por Vicente Celestino, (1894-1968), que se apresentou naquele
teatro em novembro de 1953, a Roberto Carlos, (73).
2011.
O Grande Hotel deu lugar ao Mercadão das Malhas
Além de haver
sido palco de tantos fatos significativos da história da cidade, foi também, em
13/06/1927, no histórico Resistance Day, uma das trincheiras de defesa,
quando do ataque de Lampião, (1897-1938), e seu bando à cidade de Mossoró. Em
síntese, muitas razões existiram para que as autoridades públicas locais
houvessem dedicado mais atenção à preservação deste patrimônio histórico, e não
permitido que as marretas do falso progresso o tivesse eliminado.
Atualmente, como não é só exclusividade de Mossoró, o patrimônio histórico arquitetônico está totalmente destruído, não mais existe a edificação do hotel, em seu lugar, uma edificação qualquer e sem estética o substituiu. A última imagem ilustrativa do texto mostra o resultado final daquela esquina, que foi testemunha de muitos capítulos da história mossoroense.
Citarmos as fontes é respeitar quem pesquisou e dar credibilidade ao que escrevemos.
Telescope.
Fontes: Brito, R. S.-2., Ruas e Patronos de Mossoró (Dicionário),
2003; Legislativo e Executivo de Mossoró, 1985; Cascudo, Câmara.
Notas e Documentos para História de Mossoró, 2001; Escóssia, Lauro da.
Crononologias Mossoroenses, 2010 e Memórias de um Jornalista de Província,
2005; Silva, Raimundo Nonato da. Gerações do Meu Tempo,
1975. As imagens são originárias de sites de domínio público, como Wikipédia,
Azougue, etc.
Postado há 4th
November 2014 por Telescope
http://blogdetelescope.blogspot.com.br/2014/11/o-grande-hotel-e-o-cine-teatro-almeida.html
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