Por:
José Mendes Pereira
Nessa noite a
aula do João Maleável estava um show. Geografia, e ele garantia fazer uma boa
aula. Polivalente até os dentes, dizia ele, e até se gabava um pouco. Quem era
capaz de dizer que o mestre da sabedoria não sabia Geografia? Ora! Só se
fosse louco e muito louco! A noite anterior passou em claro, com os pés
afogados em uma bacia com água e bastante gelo, na intenção de memorizar os
conteúdos.
E a famosa
aula começou num clima harmonioso e com um silêncio total. O professor iniciou
falando da Ásia, da África, da Europa, da Oceania, das Américas e em seguida
falou um pouco do Brasil. Falou, falou, falou, reclamou da crise brasileira e
depois notou que tinha fugido um pouco do assunto.
- Vamos deixar isso pra lá! Vamos à nossa aula
é o que nos interessa!... Pois sim, ontem à noite, no final da aula, eu dizia
que os países que se limita com o Brasil, são: A Argentina, o Peru, a Bolívia,
o Paraguai, o Uruguai, a Colômbia, a Venezuela... Com exceção do Chile e do
Equador. Pois ambos os dois não se limitam com o
Brasil.
Do meio da sala a Raquel inconformada com este termo
meio fora dos padrões gramaticais, uma concordância ridícula,
esbravejou tirando o silêncio da aula, repreendendo o mestre.
- Professor, por que o senhor diz tamanha
barbaridade dentro de uma sala de aula?
- Qual foi a
barbaridade que eu disse, menina? – Interrogou ele com os nervos já na flor da
pele.
- Ambos
os dois professor, está errado, e como está errado! O
senhor está precisando urgente é de uma reciclagem.
O João
Maleável notou que na verdade o erro tinha sido grave, mas não ia voltar atrás,
ou dar o braço a torcer. Ia lhe dar o troco mesmo que a ferisse. Já vinha
notando que nas últimas noites a Raquel tentava bagunçar as suas aulas,
tirando-lhe do sério. E ele não estava pronto para admitir certos desrespeitos
de alunos! Ora! Sabia demais que ela tinha futuro pela frente. Uma
ótima aluna, não faltava às suas aulas, fazia todas as atividades, mas ia
cortar logo o mal pela raiz. Fazia ele encostado à janela consigo
mesmo. Falar com a supervisora sobre a Raquel, não lhe ia adiantar nada, pois
ela tinha mania de defender alunos quando estavam errados. Salete, a
supervisora, gostava de passar a mão sobre cabeças de alunos; protegendo-os
quando eles não cumpriam os seus deveres.
Mas ele
defendia que se o aluno tinha direitos para se beneficiar, também era dono de
deveres para cumprir. E muitas vezes a supervisora tirava o direito do
professor para dar a quem? A quem? Isso ele resmungava baixinho para
que a turma não percebesse a sua indignação. E ele não tinha dúvida
do que ela iria lhe dizer com aquele jeito de mãe. “-O senhor tem que entender
que a Raquel está vivendo nesse momento a sua adolescência!” - Dizia ele no seu
eu a arremedando.
O que mais o
irritou foi quando a Raquel disse que ele estava precisando de uma reciclagem!
O comparando com lixos, cobres, papelões, garrafas vazias, alumínios e ferros
velhos... Ora! Isso ele esbravejava encostado à parede enquanto os alunos
faziam cópias. “-Que leva a sua mãe, sua Olívia Palito! Na aula anterior esse
espeto de churrascaria passou o tempo todo conversando com Cristina”.
O que ainda o
segurava de não fazer zoadas com a Raquel era porque no seu último aniversário
havia sido presenteado por ela, com uma oferenda que em toda sua vida de
escola, jamais tinha recebido de alguém. Uma caneta a ouro, ouro puro, assim
lhe informou o analista de joias. A caneta chegou às suas mãos em uma embalagem
especial, embrulhada num papel de presente com os seguintes dizeres: “Ofereço
este presente ao meu grande..., e querido “professor”...
Ao recebê-lo,
notou que a Raquel havia colocado uma reticência. Gramaticalmente ele sabia
demais o que significava, mas não sabia a sua intenção. Afinal, o que ela quis
ocultar no meio dos três pontinhos? Teria lhe chamado de doido, trouxa,
relapso, veado ou outra coisa parecida?
Mas o João
Maleável estava preparado e lhe deu o troco, desconsiderando a oferenda.
- É, Raquel, na verdade eu não devia ter dito
ambos os dois... Mas já que eu disse e não há mais como corrigir o meu erro, eu
tenho a lhe dizer com toda franqueza, que eu disse ambos para os entendidos, e
dois eu disse para os burros.
- Meu Deus!
Como o professor é mal educado, pobre de espírito e de sabedoria! - Disse a
Raquel já com as lágrimas deslizando sobre o rosto e ausentando-se da sala de
aula.
- Chora sua magricela! – Exclamou ele em voz
tímida.
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José Mendes Pereira
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