quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

O esculápio

Por José Mendes Pereira

Já fazia dois dias que o jovem motoqueiro chegara à região de gente desnutrida e infeliz, montado em sua velha e desarrumada lambreta, fabricada no ano de 1964, conduzindo uma bolsa a tiracolo, um chapéu de abas longas, vestido numa jaqueta azul, e enfiado ao guidão, uma sacola preta.

 

Ninguém sabia nada sobre a vida do motoqueiro. De onde vinha aquele sujeito feioso, que mais parecia uma ruma de ossos em movimento? Tísico, com uma deformada corcunda. Quem o era? O que queria daquele lugarejo tão paupérrimo? Os moradores já censuravam que aquele indivíduo era um fiscal do governo, um espião das coisas do Estado, ou simplesmente um delinquente sem rumo e sem pretensões para o futuro, que  havia fugido de alguma casa de saúde, para pessoas com problemas mentais.

Mas, vez por outra, o motoqueiro ia ingerir uma dose de cana no bar da freguesia, e ao chegar, era observado pela freguesia, que o observava com  rabos de olhos maldosos. 

O dono do bar, querendo saber um pouco sobre a sua vida perguntou-lhe:
- Por mal pergunta se não lhe incomoda, o jovem é de onde, e faz o que na vida?

- Sou do Pernambuco do Lampião. Terra dos homens que não medem tamanho de bigodes de macho. Sou esculápio registrado, e filho da viúva do sargento Mão pesada.


O comerciante encerrou ali mesmo as suas perguntas. Já deduzia que, apesar do seu corpo de caveira, aquele jovem não era boa peça. E também nunca ouvira falar nesta tal profissão, "esculápio". Achava ele que, o jovem já tinha dito tudo, um marginal de primeira classe, filho de um homem com o apelido de "mão pesada", era sem dúvida, um perverso, um criminoso qualquer.

Assim que o jovem lambreteiro saiu do bar, o comerciante chamou a atenção dos fregueses, que tivessem cuidado! Aquela caveira humana dissera que era esculápio, e todos ficassem de olho nele, porque não era conhecedor de tal nome "esculápio".

Na verdade, o homem mais instruído no lugarejo era ele, o dono do bar. E se ele não conhecia tal nome "esculápio", o caveira poderia ser mesmo um marginal de primeira categoria.

Assim que a notícia espalhou-se pelas pequenas ruas do lugarejo, duas beatas que rezavam terços na capela organizou logo uma procissão. Era preciso logo. Só assim o jovem esculápio sairia da vila o mais rápido possível.

Em uma das reuniões no conselho comunitário, o presidente alertou aos moradores, que o jovem lambreteiro poderia ser um assassino cruel, e que todos evitassem manter contato com ele, só assim, ele iria se sentir excluído, e desapareceria o mais rápido possível do lugar.

No momento em que acontecia a reunião no conselho comunitário, o médico que dirigia um pequeno posto de saúde, ao descer do automóvel, estava acompanhado do jovem lambreteiro. Os presentes ficaram assustados e se perguntando? Por que o médico de nome e renome se mistura com um sujeito tão feio e perigoso assim?

Entraram. O médico pediu a palavra ao presidente do conselho, pois precisava apresentar o novo funcionário do Posto de Saúde. E deu início dizendo-lhes:

- Meus amigos! Este jovem que me acompanha e que está ao meu lado esquerdo, será o novo médico de vocês nesta comunidade. Ele é um dos maiores e capacitados médicos que já apareceu no nosso Estado. Formado pela USP - Universidade de São Paulo. Espero que todos vocês  o recebam com muito carinho.

Todos ficaram de boca aberta, pois jamais esperariam que um sujeito tão feio, magro, com aspecto tuberculoso, desajeitado, sem presença física, além do mais com uma horrível corcunda, chegara a ser médico. As aparências enganam.

Esculápio significa "Médico".

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sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Chiquinho da Gruta e sua humilde Churrascaria

Por José Mendes Pereira

O Chiquinho da Gruta residia em uma esquina, à Rua Camilo Figueiredo com a Rua Dona Mimosa, na Ilha de Santa Luzia em Mossoró, bem próxima à Rua Benício Filho. Mas nunca tive grande contato com ele, e posso dizer que, o conheci mais de vista e chapéu, porque eu só estive duas vezes em sua humilde churrascaria, acompanhado do meu ex-patrão,  Milton Nogueira do Monte, senhor empresário no ramo gráfico, cinemas, rádio, em   sociedade com mais três sócios. 


Sobre o Chiquinho da Gruta eu não tenho muito o que falar, e não sei se ele era mossoroense, ou se era de outra cidade adjacente à Mossoró. 

Identificados; Gutemberg, RDD, Galdino, Dedé Xatim, Chiquinho da Gruta, Ari Costa, José Stalin e Dionísio – 1980 http://www.azougue.org/conteudo/dobumba399.htm

Mas apenas quero registrar em nosso blog a passagem deste homem em nosso planeta, de altura média, meio magro, tranquilo, educado, e que fez muitos churrascos deliciosos nos anos sessenta e setenta em sua residência, sem luxo, com piso batido, sem muro, apenas rodeada com cercas feitas à caprichos, e ali mesmo  recebia a sua clientela.

maisourinhos.com.br 

Não sei se o velho Chiquinho da Gruta tinha sido garçom, cozinheiro ou outra coisa semelhante, porque a sua humilde churrascaria acolhia só pessoas da alta sociedade de Mossoró. E se ele não fora nada disso, com certeza, a prática de alimentos bem feitos em sua churracaria, viera da sua generosa esposa, uma senhora meio gordinha, baixa e com um sorriso de felicidade estampado no rosto.

O local onde funcionava a sua humilde churrascaria, nos dias de hoje, fora construidas duas casas, talvez para acomodarem filhos, netos ou pessoas que pertencem à sua família.

Valeu, seu Chiquinho da gruta! A sua colaboração no ramo de alimentos à Mossoró, foi muito importante para a nossa cidade.

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terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Despedida do último trem de passageiros que atuava em Mossoró

Por José Mendes Pereira

Quem passeou de trem indo para Governador Dix-sept Rosado, Caraúbas e outras cidades do Rio Grande do Norte, com certeza ainda sente saudades do balanço e da descontrolada zoada que fazia o  velho transporte.


O último trem com passageiros que ainda permanecia rodando sobre os trilhos, foi desativado de uma vez por toda, em um sábado, às 15:30, do dia 30 de Janeiro de 1988, ordem federal, e que muito fez falta às cidades do médio e Alto Oeste do Rio Grande do Norte.

A sua desativação, deixou muita saudade encravada no coração de cada mossoroense, ao saber que aquele trem que tanto colaborou pelo desenvolvimento de Mossoró, fora condenado a não mais pisar nas terras mossoroenses, e nunca mais colocaria as  suas rodas sobre os  trilhos.

Já bem próximo da sua ida sem volta, na Rua Melo Franco, muitos mossoroenses estavam atentos em suas casas, esperando o trem segui, e para verem-no pela última vez.


Os que trabalhavam na linha férrea das cidades como: Mossoró, Governador Dix-sept Rosado, Caraúbas, Jordão, Patu, Almino Afono, Mumbaça Demétrio Lemos Ulrick Graff, Alexandria, Santa Cruz, São Pedro, Sousa, sentiam um incômodo dentro do peito, em saber que durante muitos anos viveram em prol daquela máquina, e por último, só restava saber para onde iriam, já que o trem, infelizmente seguia para um lugar que nunca mais sairia de lá.


https://www.youtube.com/watch?v=zF-tA1tQe9s

Faltavam poucos minutos para que o condutor levantasse a bandeira verde, ordenando que o maquinista partisse com o trem para o destino combinado pelos superiores da rede ferroviária; talvez iria gozar de sua aposentadoria em Sousa, na Paraíba; e os corações humanos aumentavam as suas batidas. Alguns deles nervosos, encostados às portas das suas casas, aguardavam-no, para levantarem as mãos e dizerem: "-Adeus nosso trem querido! Você muito nos serviu por várias décadas, agora chegou a vez de ir embora para nunca mais voltar!".

Pouco tempo, o trem foi ligado a sua máquina. Os vagões encarrilhados, um a um, também estavam proibidos de voltarem a esta terra que tanto os acolheu por anos e anos.


O maquinista posicionado à cabine, não dava nenhuma palavra, apenas olhava firme em direção aos trilhos à sua frente. O seu ajudante permanecia  ao seu lado com o olhar ao piso da máquina. O mecânico aproximou-se com uma mala cheia de chaves, e lá, a agasalhou em um vagão. E antes que descesse, bateu-lhe uma crise de choro. Os companheiros de trabalho acalentavam-no, pedindo-lhe que  tentasse controlar  a sua emoção. Mas o mecânico chorava descontrolado.

Finalmente, o trem que tanto rodou, deu o primeiro deslocamento sobre os trilhos, e partiu vagarosamente, recebendo o adeus de todos que ao lado dos trilhos esperavam a sua partida, e que nunca mais voltaria a esta terra.

 A ponte da estrada de ferro no Rio Mossoró-RN, foi concluída no dia 7 de fevereiro de 1915, um dia de domingo e oficialmente em 19 de março de 1915 (sexta-feira), idealizada pelo suíço JOHAN ULRICH GRAFF. comerciante que fixou-se em Mossoró, em 1866, com seus companheiros Henrique Burly, Rodolfo Guyane e Conrado Meyer, este, também, suíço. Em 1868, Johan Ulrich abriu, na praça mossoroense, a Casa Graff, voltada ao comércio de importação e exportação. Na época da inauguração o prefeito de Mossoró era FRANCISCO VICENTE CUNHA DA MOTA (1914 - 1916)
http://joatamaria-mossorovenezarn.blogspot.com.br/ 

O trem foi desaparecendo, e apenas se ouvia o seu apito sanfonado, como um choro de quem está partindo para bem distante de seus familiares. E a fumaça cobria um pouco a visão de quem o olhava.

Os que permaneciam ao lado da linha férrea, baixaram  os seus olhares, como se tivessem perdidos um  dos seus entes queridos. Mas mesmo assim, não paravam de acenar para ele.


O trem seguia lentamente, porque era um desejo do maquinista, demorar mais um pouco, já que nunca mais iria manobrar aquela máquina tão importante na sua vida. As lágrimas deslizavam sobre a sua face magra e quente, provocadas pelo calor da temperatura da máquina.

Em um momento, o ajudante percebeu que o maquinista lacrimejava, e perguntou-lhe:

- Você Está chorando?

- Um pouco. Sinto um forte arrocho no meu coração, devido a  saudade que já estou sentindo, por quem não voltará comigo, deixou-me doente. Foram décadas que passamos juntos. Mais momentos bons do que ruins.

Infelizmente, o trem que tanto rodou sobre o chão de nossa cidade, que a engrandeceu, prestando os seus serviços, desapareceu dos trilhos e dos olhares mossoroenses. E alguns que haviam acompanhado a sua partida, no silêncio,  também lacrimejavam.

http://www.blogdogemaia.com/geral.php?id=146 

O trem se foi. Em todos os momentos de metros rodados, os olhares dos sertanejos que residiam próximo à linha férrea, acompanhavam-no. Animais, pássaros, árvores, todos estavam com os seus holofotes virados em sua direção, para despedirem-se do trem que nunca mais voltará a nossa querida Mossoró.

O adeus dos mossoroenses dirigido a você, trem, ficou registrado na mente de cada um. Você se foi, e com certeza, está guardado sob um galpão, sujo, empoeirado e coberto por malditas crostas ferrugentas.

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