João Brasileiro da Silva eu o conheci muito, mas de vista e chapéu. E era
alcunhado em Mossoró por João Maleável. Um senhor de muitas palavras, mas
bastante respeitado pelas pessoas que lhe rodeavam. Algumas vezes, grosseiro, e
em outros momentos, manso, brando, tímido, amigo, maleável, façanhoso como diz
o ditado. Era dono de uma estatura alta e meio feiosa. Moreno, um
pouco cabeçudo, lampinho, e odiava a onda dos cabeludos. De bigode
largo e bastante fechado, aparentando uma vassoura de piaçava.
De
todos os seus adjetivos, o que mais lhe chamava à atenção, era o de maleável.
Adorava este apelido e não podia negar a ninguém. Era maleável por natureza, e
nunca se importou com o adjetivo que lhe deram. E ainda dizia orgulhosamente:
“-Este é o meu apelido carinhoso”.
Morava
numa casinha bem pequeninha nas margens do rio Mossoró, ao lado do Horto
Florestal, e de lá dava para se ouvir o retumbar das águas deslizando sobre a
barragem Jerônimo Rosado.
Entrava-se
na casinhola por uma passarela que se estendia desde o portão da entrada, até à
porta da sala. De um lado e do outro, um pomar viçoso enfeitava a parte da
frente da casinhola. Pelos fundos, ele continuava e confinava-se com a Comensa,
nos dias de hoje, Cosern.
Vamos
invadir a casa do João
Maleável?
Na
sala, em um dos lados, dormia uma poltrona velha com o tecido que lhe envolvia
todo rasgado. O outro, repousavam quatro tamboretes cobertos com couro de
animais, mais uma escrivaninha bastante estragada, necessitando de um reparo
urgente. Da salinha até a cozinha, os seus móveis eram: uma mesa, uma vitrola,
uma geladeira a gás com a ferrugem invadindo as partes metálicas, lá na
cantareira um pote, bastante gasto pelo tempo, um fogão a lenha e
mais uns utensílios domésticos. Esses completavam a sua mobília.
Apesar da pobreza, não lhe fazia vergonha de modo alguma em convidar os amigos
para saborearem uma carne assada nos finais de semanas, com uma bela cachaça
nomeada “Velho Barreiro”.
Em
anos anteriores, tinha sido motorista de ônibus, carpinteiro, pedreiro,
açougueiro, protético prático, vendedor ambulante de ouro e outros artigos
(bugigangas), como ele chamava as suas malas quando saía para
trabalhar.
Ninguém
sabia a sua verdadeira naturalidade. Algumas vezes dizia que tinha nascido no
Rio Grande do Norte. Mas em outras ocasiões, no Ceará, na Bahia, no Rio de
Janeiro, no Acre, em São Paulo, em Sergipe, nas Alagoas... E assim levava
a vida mentindo para os amigos. A única certeza que se tinha do João Maleável,
era um brasileiro nato, de carteirinha e nada mais.
Lá
dentro da casinhola, mexia-se e tomava de conta dos seus pertences a Magali, a
sua esposa Gagá, como ele a nomeava nas horas amorosas. Era uma senhora morena,
gorda, pequena, pernas grossas tipos pilões, cheias de varizes, barriguda com
as banhas derreadas sobre a castidade. De nariz arrebitado, queixo alongado
para frente, cabelos enroscados ao crânio, seios avantajados e fora dos padrões
da natureza. E vez por outra as mamas desajeitadas colocavam as gorduras para
espiarem o mundo por cima do decote. E ele quando as via querendo sair para
tomar um ventinho, carinhosamente dizia-lhe: “-Cuidado com os mamões, minha
velha!”.
Ela não se sentia bem, mas aceitava com um sorriso seco e desconfiado.
Era feia a esposa do João Maleável. Apesar da feiúra, ele ainda se gabava
diante de toda vizinhança. “- Esta é a mulher mais linda que eu já conheci na
minha vida!”.
Uma
vez, no bar do Aderaldo, o Motinha cheio de pingas, disse ao Pedro Paulo em
boca miúda, que a Gagá do João Maleável tinha todas as semelhanças de um
hipopótamo fêmeo. Fofoca! E era necessário que o IBAMA fizesse uma
busca nas proximidades do Horto Florestal, para capturá-lo e em seguida
entregá-lo a África, pois o seu lugar era lá.
Dias
depois, o Pedro Paulo enredou-o que o Motinha andava apelidando a sua esposa,
chamando-a de hipopótamo fêmeo. Mas apesar do pouco respeito dele com a Gagá,
ele não se interessou de ir atrás do mexerico, dizendo que: “-Quem tem boca diz
o que quer.” Também podia ser bisbilhotices do Pedro Paulo para infernar os
dois.
Um dia, ele mesmo, andava meio atrasado com contas no bar do Aderaldo, e como
não estava com condições de liquidá-las, usou a sua mansidão, ofereceu a Gagá
como abatimentos nas contas. Assim que ele fez a proposta, o Aderaldo
respondeu-lhe de boca cheia e com os olhos arregalados.
-
Deus me livre, João Maleável! Deus me livre! - bradava ele se benzendo. Cada um
com o seu hipopótamo fêmeo na lagoa! Eu com o meu e você com o
seu.
A
esposa do botequineiro Aderaldo, Magaive, Gaivinha, carinhosamente, era irmã
gêmea da Gagá e ambas tinham as mesmas características, e cada uma delas era um
mundão de mulher de tão gorda e desajeitada.
-
Cuida do teu hipopótamo fêmeo que eu cuido do meu! – dizia o Aderaldo. Dois
hipopótamos fêmeos para um homem só, João Maleável, é carne que não se acaba
mais nunca! E se não der vencimento, vai entrar no estado de putrefação e
desgraça o nosso bairro todo! Até a Santa Luzia vai exigir que a Diocese de
Mossoró a mande de volta para a Itália! O comércio vai fechar as portas com
tanto mau cheiro de carne sentida. Isso é coisa para açougueiros! - disse e
saiu às pressas da casa do João Maleável sem olhar para trás.
Vamos
conhecer a família do João Maleável?
Além da Gagá eram seis filhos pequenos, e todos capazes de caberem dentro de um
balaio.
O
último filho que havia nascido, fazia dois meses que tinha colocado o focinho
no mundo.
Antes de ser professor, o João Maleável havia comido do pão que o diabo
amassou, pois o pouco que ganhava nas vendas, não dava para cobrir as despesas
de casa, e a sua situação andava preta. Não tinha mais roupas, as camisas não
mais suportavam costuras, e duas calças que lhe restavam, uma delas tinha sido
mastigada por um animal. Um único par de sapatos que dispunha, o solado estava
tão fino, que se ele pisasse em uma moeda de cinquenta centavos de cruzeiros,
já dava para sentir se o lado pisado era cara ou coroa.
Devido
à situação que ele enfrentou, todas as noites antes do deitar, ia às redes dos
filhos para contá-los, consolidava que como as coisas andavam desmanteladas,
tinha medo que os cinco filhos fizessem um churrasco com um outro irmão.
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Autor:
José Mendes Pereira
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