sábado, 31 de agosto de 2013

Seu Galdino e a onça preta

Por: José Mendes Pereira

O sol escaldante já pendia para o Oeste, e as árvores frágeis escondiam as poucas ramas verdejantes. O mês era Outubro, e seu Galdino procurava mel pelas matas ralas nos tabuleiros. As flores das aroeiras prometiam fartas néctares para as abelhas encherem de mel as suas colmeias.

Seu Leodoro Gusmão campeava uma das suas novilhas em dia de parir, e ali, os compadres encontraram-se em meio à caatinga.

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Em uma conversa e outra relataram os tempos em que eram crianças, os banhos nos rios, o apanha peixes nos timbós, o deslizar nas escorregadas barreiras do rio, as noites enluaradas apreciando os violeiros convidados pelos pais, e outros e outros divertimentos foram expostos à conversa.

Mas não podia faltar naquele papo entre compadres, as vivências depois de crescidos, e a mais inesperada fase adulta, quando de súbito, seu Galdino relembrou uma de suas aventuras nos cabeços das terras da Fazenda Barrinha Duarte, procurando mel de jandaíra.

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Seu Leodoro ali estava presente para ouvir as façanhas do seu compadre. Apenas escorado ao cavalo, com um dos braços apoiando-o sobre a sela. E sem se demorar, seu Galdino sentou-se sobre uma pedra, e deu  início a uma das suas  aventuras.

- Eu me considero um homem de sorte, compadre Leodoro.

- Sim senhor – fez seu Leodoro pigarreando.

- Certa vez eu precisava melar, e saí cedo de casa. Deixei a Dionísia com a barriga pela boca. Mas neste período em que eu me ausentei de casa para melar, eu estava atravessando uma das piores crises. Mas, ou eu me viraria procurando mel para vender e comprar os nossos alimentos, ou do contrário iríamos passar fome, juntos. Como não tinha outro jeito, mandei-me para as matas,  ver se eu encontrava uma gorda abelha jandaíra.

- Sim senhor – repetiu seu Leodoro acendendo um cigarro que havia fabricado naquele momento..

- E saí sem destino - dizia seu Galdino, caindo nos fundos da propriedade do senhor Aldemar Duarte Leite, homem que nunca me negou a cortar uma das suas umburanas que tivesse abelhas situadas. 
Foto: ALDEMAR DUARTE LEITE

Era sobrinho de Manoel Duarte Ferreira, o homem que no dia 13 de Junho de 1927, na tentativa da invasão à Mossoró, feita por Virgulino Ferreira da Silva - - o  Lampião, assassinou o cangaceiro Colchete e baleou o pernambucano José Leite de Santana - o Jararaca.

Teve como irmãos: Armando, Artur, Arisser, Albaniza e Adalta, todos já falecidos.

Aldemar Duarte era proprietário de terras e ex-combatente da Guerra da Alenmana nos anos 40, do século passado.

Era pai  do escritor David de Medeiros Leite. Além deste, Artur, Aldemar, Mailda, Valdete, Ilka entre outros.

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Foto gentilmente cedida pelo seu filho Artur Leite
Aldemar Duarte Leite - foto gentilmente cedida pelo seu filho Artur Leite

Não só ele - continuava seu Galdino - como também a sua generosa esposa, mulher que não fazia cara feia por certas coisas, e até me franqueava: "- pode entrar na nossa propriedade seu Galdino, e tire a abelha que o senhor quiser. 


Foto
Dona Hilda - foto gentilmente cedida pelo seu filho Artur Leite

A dona Hilda sempre foi e continua sendo uma senhora de bom coração..., continuava seu Galdino, pois sim, lá próxima à cerca que separa as divisas das terras de Aldemar Duarte com a Favela, encontrei uma enorme 

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umburana, e  notei que ela hospedava uma jandaíra, e que ao ver a enorme árvore, imaginei que ali teria de 100 a 150 litros de mel.

- Nossa! Isso tudo, compadre Galdino?

- Não poderia ser menos compadre, porque a umburana tinha aproximadamente um metro e vinte de diâmetro. Mas ali eu fiquei olhando a árvore de cima abaixo. Não tive coragem de estragá-la com o meu amolado machado, porque ela me parecia ser uma árvore milenar..., e a sua beleza, fazia qualquer ser humano desistir de cortá-la. Mas não ficou por aí, compadre – dizia ele procurando apoio sobre a pedra - quando eu estava rodeando a árvore, isto é examinando-a, procurando o melhor lado, caso eu resolvesse cortá-la, de súbito me apareceu uma onça preta, com aquele olhar de malvada...

 
  
Sem eu menos esperar, ela me atacou, e fui obrigado passar uns dez minutos correndo ao redor da umburana, no sentido horário.

- E como se sentia com esta correria toda, segundo me diz o senhor? - perguntou-lhe seu Leodoro.

- Compadre, eu já me sentia frágil, vendo a hora ser pego pela danada..., mas eu estava correndo, obrigado por ela, porque eu não queria morrer sangrado pelas suas patas. Eu na frente e ela atrás de mim com toda velocidade. Quando ela percebeu que eu  já estava cansado, resolveu voltar, isto é no sentido anti-horário, e nisso ela perdeu tempo. Foi aí que eu consegui fugi e me mandei em busca de outra umburana próxima. Mas devido ser uma boa corredora, logo me alcançou.

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- E o que ela fez quando ela lhe alcançou?

- Eu já estava quase debaixo da outra umburana. E com um grande salto, felizmente alcancei um galho, pendurando-me. Assim que o agarrei compadre, infelizmente rebentou, fazendo-me despencar sobre a onça. Mas como ela estava em pé, olhando para cima, imaginando como iria me capturar, ficou de boca aberta, e não levando sorte, assim que o galho se partiu, caiu atravessado em sua boca, arrebentando todos os seus dentes. Eu não sofri quase nada porque todo o meu corpo foi amortecido sobre a onça. 

- Nossa! -lamentou seu Leodoro.

- Ao sentir a pancada do galho em sua boca, saiu correndo numa alarida desgraçada, e até me parece que o sangue já estava cobrindo todo o seu focinho. 

- Meu Deus, compadre...! Coitada da onça!

- Coitada da onça uma sericoia! O senhor deveria dizer assim: Coitado do meu compadre Galdino!

- É mesmo, compadre. É mesmo.

- Cinco dias depois eu voltei a este local, e a encontrei magra, desanimada, que me parece que ela não tinha mais comido nada.

- É, compadre, sem dentes ela não tinha condições de caçar. E o que o senhor fez para protegê-la?

- O que eu fiz foi limpar o local que ela estava deitada. Depois fui a um riacho que corria perto de lá, enchi o meu chapel com água, e deixei ao seu lado. Ela olhava para mim como se quisesse me dizer: "-Seu Galdino, naquele dia eu não estava querendo te devorar. Eu estava apenas tentando ver se o senhor era bom corredor".

- É, compadre, vamos embora. Eu morro de medo de onça preta...

Ali se despediram. Cada um tomou seu rumo.

Seu Galdino saiu em direção oposta, dizendo: "-Você tem medo de onça e eu nem tenho medo da Gertrudes".

Seu Leodoro saiu resmungando das mentiras do compadre Galdino.


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Fonte:
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