terça-feira, 15 de outubro de 2013

Existe filho que tem o pai como um troço qualquer

Por José Mendes Pereira
José Mendes Pereira

Existe filho que tem o pai como um troço qualquer, não o respeita, não o zela, não lhe pede a bênção, não procura conversar com ele, não o obedece, não faz nada em seu favor, afinal, para ele é apenas um sujeito que o colocou no mundo, e quando o pai cai doente, para ele, o bom seria que aquele troço velho e inútil dentro de casa morresse.

Mas isso não só acontece na classe pobre, atinge todas as classes sociais. E se o pai é um grande empresário, aí sim, o desejo da sua morte é exigido até através de rezas, que aquele inútil passe logo para outra dimensão. Mas ainda existem filhos bons, que estão sempre acompanhando os cabelos brancos do seu velho pai.

Nos anos setenta, eu residia no bairro Bom Jardim, zona Norte de Mossoró, à Rua Juvenal Lamartine, e foi lá que todos os dias e todas as noites eu presenciava o sofrimento do seu Leocádio, um ex-comerciante de secos e molhados, talvez, não sei,  já passava dos oitenta anos vividos, e tinha problemas prostáticos (uretra), e era cuidado, entre aspas, por um dos seus filhos, o Chico, que mesmo ouvindo o seu pedido a Deus para fazer desaparecer aquelas terríveis dores, o filho fazia com que o sofrimento do seu pai continuasse mais ainda.

Os gritos, as lamentações, os pedidos de perdão, o arrependimento de ter vindo ao mundo, o desejo que Deus o levasse logo, as inquietações  sobre a cama, causadas pelas dores que lhe perseguiam, tudo isso  era chocante, principalmente  para quem assistia aquilo pela primeira vez. "- Meu grandioso pai celestial, o que fiz de errado para sofrer tanto antes da minha morte?". 

Naqueles tempos a medicina apenas acompanhava o paciente prostático, com alguns medicamentos recém-inventados, no sentido de prolongar a vida do paciente ou o seu sofrimento.

A colaboração que o Chico dava ao sofrimento do velho pai era de não extrair a urina no momento em que o velho começava a reclamar das dores que lhe atacavam, e ele pedia a ajuda ao filho, porque a sua bexiga já estava cheia de urina, e não suportava mais. 


Bexiga cheia, já incomodando, lá pelo o quarto, o velho Leocádio metia o grito, para que o Chico fosse extrair a urina da sua bexiga.

- Ou Chico meu filho, vem tirar a urina do teu pai que já não aguenta mais tantas dores!

E lá de dentro respondia o Chico:

- Calma, velho, Calma! Eu já estou indo!

Daí a pouco as dores começavam a incomodá-lo mais ainda. E tornava a chamar o filho com mais precisão:

- Vem logo meu filho, o teu pai está se acabando com dores.

E o Chico respondia-lhe usando as mesmas palavras: 

- Calma, velho! Calma! Eu já estou indo para retirar a urina. 

E com este consolo "Calma, velho! Calma! Eu já estou indo!", levava um bom tempo para socorrer o pai.

Quando o pai solicitava a sua presença, e se Chico o atendesse sem demora, com certeza levaria um bom tempo para que o velho permanecesse sem dores.

Mas uma vez o velho Leocádio pedia a presença do filho, pois estava se acabando com dores.

Agora sim, o Chico dava início ao trabalho da extração da urina no velho, e assim que terminava a cirurgia caseira, perguntava-lhe:

- As dores já passaram meu velho?

Aliviado, o velho Leocádio respondia-lhe:

- Graças ao meu grande Deus, meu filho! As terríveis dores foram para os quintos dos infernos.

O Chico querendo criticar um pouco do pai, já que quem cuidava bem ou mal dele era ele, perguntava-lhe:

- Quem pode mais do que Deus, Velho?

Não tendo outra solução, que realmente naquele momento fora aliviado das dores através dele, respondia-lhe como um agradecimento:

- É você, meu filho Chico!

Durante muitos anos perdi o contato com o Chico, que na época já passava dos cinquenta. Mas tive notícias que ele morreu rodeado de dores, assim como o seu velho pai.

Quem maltrata pai um dia será maltratado por outros também. Pai é pai. É aquele que desde o nascimento do filho que batalha por alimento, saúde, roupas e ai daquele que tentar botar a mão maligna sobre o filho. E quando o filho cresce, maltrata-o de todas as formas.


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Autor:
José Mendes Pereira

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